domingo, 1 de setembro de 2013

Venire contra factum proprium


Em nosso ordenamento jurídico há vedação do comportamento contraditório, consubstanciado na expressão venire contra factum proprium.

Em outras palavras, existe proibição de que “alguém pratique uma conduta em contradição com sua conduta anterior, lesando a legítima confiança de quem acreditara na preservação daquele comportamento inicial” (GUSTAVO TEPEDINO e outros, Código Civil interpretado conforme a Constituição da República, v. II, Renovar, Rio de Janeiro, 2006, p. 20, grifou-se).

Com efeito, deve a parte, ao contrário, “proceder com lealdade e boa-fé” (CPC, art. 14, II, grifou-se).

Na lição de PONTES DE MIRANDA, “a ninguém é lícito venire contra factum proprium, isto é, exercer direito, pretensão ou ação, ou exceção, em contradição com o que foi a sua atitude anterior, interpretada objetivamente, de acordo com a lei” (Tratado de Direito Privado, Bookseller, Campinas, 2000, p. 64, grifou-se).

O eminente Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, no voto proferido no REsp 95.539/SP, salientou que “(…) o Direito moderno não compactua com o venire contra factum proprium, que se traduz como exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente (Menezes Cordeiro, Da Boa-Fé no Direito Civil, 742). Havendo real contradição entre dois comportamentos, significando o segundo quebra injustificada da confiança gerada pela prática do primeiro, em prejuízo da contraparte, não é admissível dar eficácia à conduta posterior” (Quarta Turma, j. 03.9.96, DJ 14.10.96, p. 39015).

No mesmo sentido, convém citar os seguintes precedentes:

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DOS DIREITOS FEDERATIVOS DE ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL. VÍCIO NA CONSTITUIÇÃO DO TÍTULO EXEQÜENDO. AUSÊNCIA DA ASSINATURA DO VICE-PRESIDENTE FINANCEIRO DO CLUBE. IMPOSIÇÃO DO ESTATUTO. FORÇA EXECUTIVA RECONHECIDA. TEORIA DA APARÊNCIA. BOA-FÉ OBJETIVA. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
1. Incensurável o tratamento dado ao caso pela Corte de origem, não só pela distinção feita entre a natureza do contrato exeqüendo (art. 585, II, do CPC), face aos títulos executivos extrajudiciais relacionados na regra estatutária, cujo descumprimento teria o condão de inviabilizar o processo executivo, mas, principalmente, pela repulsa à invocação de suposto vício na constituição do pacto, levado a efeito pelo próprio executado, uma vez havendo o recorrido agido de boa-fé e alicerçado na teoria da aparência, que legitimava a representação social por quem se apresentava como habilitado à negociação empreendida.
2. Denota-se, assim, que a almejada declaração de nulidade do título exeqüendo está nitidamente em descompasso com o proceder anterior do recorrente (a ninguém é lícito venire contra factum proprium).
3. Interpretação que conferisse o desate pretendido pelo recorrente, no sentido de que se declare a inexeqüibilidade do contrato entabulado entre as partes, em razão de vício formal, afrontaria o princípio da razoabilidade, assim como o da própria boa-fé objetiva, que deve nortear tanto o ajuste, como o cumprimento dos negócios jurídicos em geral.
4. Recurso especial não conhecido.”
(REsp 681856/RS, Quarta Turma, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, j. 12.6.07, DJ 06.8.07, p. 497, grifou-se).

“RESPONSABILIDADE CIVIL. FALÊNCIA DE EMPRESA. AÇÃO INDENIZATÓRIA PROPOSTA EM FACE DO SEBRAE. ELABORAÇÃO DE PROJETO DE VIABILIDADE ECONÔMICO-FINANCEIRA. NÃO CONFIGURAÇÃO CAUSA DIRETA, IMEDIATA E NECESSÁRIA DA INSOLVÊNCIA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A recorrida sustenta que o não cumprimento de contrato firmado pelo SEBRAE, para elaboração de projeto de viabilidade econômico-financeira, ensejando também obtenção de empréstimo junto a instituição financeira, constituiu a causa de insolvência da empresa, acarretando-lhe a falência e gerando a responsabilidade civil daquela entidade.
(…)
3. Incontroversos os danos experimentados pela empresa, não se vislumbra, todavia, a ocorrência de ilícito contratual ensejador de reparação pecuniária, uma vez que a almejada declaração de descumprimento da obrigação contratual revela-se em nítido descompasso com o proceder anterior da empresa que, ao apregoar ser detentora de vasta experiência de mercado e fornecer os dados necessários à elaboração do projeto, criou para o SEBRAE a legítima expectativa de ser despicienda a realização de prévia pesquisa de mercado para a correta elaboração do projeto de viabilidade econômico-financeira.
4. Ressalte-se que a ninguém é dado criar e valer-se de situação enganosa, quando lhe for conveniente e vantajoso, e posteriormente voltar-se contra ela quando não mais lhe convier, objetivando que seu direito prevaleça sobre o de quem confiou na expectativa gerada, ante o princípio do nemo potest venire contra factum proprium.
(…)
13. Recurso especial parcialmente provido.” (REsp 1154737/MT, Quarta Turma, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, j. 21.10.10, DJe 07.02.11, grifou-se).

Assim, espero ter conseguido passar – ainda que de forma resumida - o real significado da máxima venire contra factum proprium.

Por favor, caso não tenha entendido algo pergunte. Estou aqui também para isso.

Abraço,

Samuel

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