Em nosso ordenamento
jurídico há vedação do comportamento contraditório, consubstanciado na
expressão venire contra factum proprium.
Em outras palavras, existe
proibição de que “alguém pratique uma
conduta em contradição com sua conduta anterior, lesando a legítima confiança
de quem acreditara na preservação daquele comportamento inicial”
(GUSTAVO TEPEDINO e outros, Código Civil interpretado conforme a
Constituição da República, v. II, Renovar, Rio de Janeiro, 2006, p. 20,
grifou-se).
Com efeito, deve a parte, ao
contrário, “proceder com lealdade e
boa-fé” (CPC, art. 14, II, grifou-se).
Na lição de PONTES DE
MIRANDA, “a ninguém é lícito venire
contra factum proprium, isto é, exercer direito, pretensão ou ação, ou exceção,
em contradição com o que foi a sua atitude anterior, interpretada
objetivamente, de acordo com a lei” (Tratado de Direito Privado,
Bookseller, Campinas, 2000, p. 64, grifou-se).
O eminente Ministro RUY
ROSADO DE AGUIAR, no voto proferido no REsp 95.539/SP, salientou que “(…) o Direito moderno não compactua com o
venire contra factum proprium, que se traduz como exercício de uma posição
jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente (Menezes
Cordeiro, Da Boa-Fé no Direito Civil, 742). Havendo real contradição entre dois
comportamentos, significando o segundo quebra injustificada da confiança gerada
pela prática do primeiro, em prejuízo da contraparte, não é admissível dar
eficácia à conduta posterior” (Quarta Turma, j. 03.9.96, DJ 14.10.96, p.
39015).
No mesmo sentido, convém
citar os seguintes precedentes:
“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.
EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DOS DIREITOS FEDERATIVOS DE
ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL. VÍCIO NA CONSTITUIÇÃO DO TÍTULO EXEQÜENDO.
AUSÊNCIA DA ASSINATURA DO VICE-PRESIDENTE FINANCEIRO DO CLUBE. IMPOSIÇÃO DO
ESTATUTO. FORÇA EXECUTIVA RECONHECIDA. TEORIA DA APARÊNCIA. BOA-FÉ OBJETIVA.
RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
1. Incensurável o tratamento
dado ao caso pela Corte de origem, não só pela distinção feita entre a natureza
do contrato exeqüendo (art. 585, II, do CPC), face aos títulos executivos
extrajudiciais relacionados na regra estatutária, cujo descumprimento teria o
condão de inviabilizar o processo executivo, mas, principalmente, pela repulsa
à invocação de suposto vício na constituição do pacto, levado a efeito pelo
próprio executado, uma vez havendo o recorrido agido de boa-fé e alicerçado na
teoria da aparência, que legitimava a representação social por quem se
apresentava como habilitado à negociação empreendida.
2. Denota-se, assim, que a
almejada declaração de nulidade do título exeqüendo está nitidamente em
descompasso com o proceder anterior do recorrente (a ninguém é lícito venire
contra factum proprium).
3. Interpretação que
conferisse o desate pretendido pelo recorrente, no sentido de que se declare a
inexeqüibilidade do contrato entabulado entre as partes, em razão de vício
formal, afrontaria o princípio da razoabilidade, assim como o da própria boa-fé
objetiva, que deve nortear tanto o ajuste, como o cumprimento dos negócios
jurídicos em geral.
4. Recurso especial não
conhecido.”
(REsp 681856/RS, Quarta
Turma, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, j. 12.6.07, DJ 06.8.07, p. 497,
grifou-se).
“RESPONSABILIDADE CIVIL.
FALÊNCIA DE EMPRESA. AÇÃO INDENIZATÓRIA PROPOSTA EM FACE DO SEBRAE. ELABORAÇÃO
DE PROJETO DE VIABILIDADE ECONÔMICO-FINANCEIRA. NÃO CONFIGURAÇÃO CAUSA DIRETA,
IMEDIATA E NECESSÁRIA DA INSOLVÊNCIA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A recorrida sustenta que
o não cumprimento de contrato firmado pelo SEBRAE, para elaboração de projeto
de viabilidade econômico-financeira, ensejando também obtenção de empréstimo
junto a instituição financeira, constituiu a causa de insolvência da empresa,
acarretando-lhe a falência e gerando a responsabilidade civil daquela entidade.
(…)
3. Incontroversos os danos
experimentados pela empresa, não se vislumbra, todavia, a ocorrência de ilícito
contratual ensejador de reparação pecuniária, uma vez que a almejada declaração
de descumprimento da obrigação contratual revela-se em nítido descompasso com o
proceder anterior da empresa que, ao apregoar ser detentora de vasta
experiência de mercado e fornecer os dados necessários à elaboração do projeto,
criou para o SEBRAE a legítima expectativa de ser despicienda a realização de
prévia pesquisa de mercado para a correta elaboração do projeto de viabilidade
econômico-financeira.
4. Ressalte-se que a
ninguém é dado criar e valer-se de situação enganosa, quando lhe for
conveniente e vantajoso, e posteriormente voltar-se contra ela quando não mais
lhe convier, objetivando que seu direito prevaleça sobre o de quem confiou na
expectativa gerada, ante o princípio do nemo potest venire contra factum
proprium.
(…)
13. Recurso especial
parcialmente provido.” (REsp 1154737/MT, Quarta Turma, Rel. Ministro LUIS
FELIPE SALOMÃO, j. 21.10.10, DJe 07.02.11, grifou-se).
Assim, espero ter conseguido
passar – ainda que de forma resumida - o real significado da máxima venire contra factum proprium.
Por favor, caso não tenha
entendido algo pergunte. Estou aqui também para isso.
Abraço,
Samuel
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